"Até você ter tudo, você não estará livre".
Há um novo dia amanhecendo como uma chuva fria diante de mim.
E existe uma luz dentro de mim que nunca se apaga.
Naquele momento, passei por uma viela e escutei alguém gritando:
“Até você ter tudo, você não estará livre.”
Continuei caminhando, pensando.
Até ter tudo o quê?
Nada era como antes.
As pessoas, nesse momento, encontram alguém especial — alguém que as entende por inteiro — e deixam partir.
Só não sei se as deixam partir por medo… ou porque nunca as amaram de verdade.
E o que essas pessoas não compreendem é que gente assim é rara de encontrar.
Aceitamos a mera ilusão de não estarmos sós.
Tentamos engolir a mentira de que é mais difícil matar um fantasma do que encarar a realidade.
As relações humanas já começam com a intenção de acabar.
E quando têm a intenção de durar, alguém corta as cordas e deixa o outro cair.
Paixões são bombas que nos destroem para sempre.
O amor é natural e real — mas não para pessoas esquisitas e antissociais como você e eu.
Nossos corações se tornaram vidros quebrados — por isso, ninguém consegue nos compreender.
E as poucas pessoas que podiam… já morreram cedo demais.
A vida passa rápido, num breve piscar de olhos.
E não há nenhuma janela de salvação para se ver.
Digo a você: muitos irão sobreviver quando saltarem de seus abismos.
Digo a você: muitos irão morrer ao encontrar seus próprios sonhos.
Perdemos a nós mesmos todos os dias, quando lembramos que fomos abandonados no fim.
E nos esquecemos de agradecer aos céus pelo fracasso que nos moldou.
De certa forma, a luz e a lua já não têm o mesmo brilho.
A ideia da morte já não assusta como antes.
Alguém caído de fome e dor.
As cores do outono.
O sorriso de uma criança.
A desvalorização da família.
O pôr do sol em tardes quentes de novembro.
A verdade que querem que você engula com uma latinha de Coca-Cola.
Rir por fora para enganar a alma por dentro.
Um abraço sincero de um milhão de dólares.
Sentir-se indiferente a tudo o que acontece ao redor.
Adoecer a alma só para alegrar, por instantes, o coração.
Sentir-se inteiro e sorrir com a falsidade ao redor.
Uivar de dor por dentro, mesmo no meio de uma multidão.
Estar cercado por milhares… e ainda assim se sentir vazio.
E quando entrar naquele ônibus rumo ao passado,
Vai parecer ser o que nunca foi.
Ter tudo o que alguém deseja… e mesmo assim se sentir incompleto.
Viver um estilo que não é seu.
Engolir mágoas que cortam o espírito só para se sentir especial.
Mas ser “especial” exige muita simulação — e a expectativa de um futuro manchado por mentiras.
As mentiras dos outros já não são só mentiras.
Elas se tornaram parte de você.
E sua vida é um livro sujo, escrito por um bêbado, baseado em mentiras.
Porque, quando você se tranca dentro das mentiras, certamente vai morrer.
Do mesmo jeito que eu comecei a morrer.
Depois de um tempo caminhando, passo por uma rua de classe alta, cheia de luzes, com casas enormes e jardins esplendorosos. Fogos de artifício iluminam o céu, suas luzes se refletem num enorme lago ao lado de uma das casas.
Observo o luxo. A ostentação.
Mas nada faz sentido quando escuto, de novo, alguém daquela casa gritar aos berros:
“Até você ter tudo, você não estará livre.”
“Até você ter tudo, você não estará livre.”
“Até você ter tudo, você não estará livre.”
Acontece que, até você ter tudo, primeiro vai ter que perder tudo o que ama.
Até ter tudo, você vai morrer algumas vezes — até aprender a amar de verdade.
E até reconquistar tudo… você nunca será livre.
Livre?
Naquele momento, caiu sobre minha alma e coração uma tempestade de adagas tão devastadora,
que me cortou em milhares de pedaços.
E me fez lembrar de uma frase que li anos atrás, de Paul Valéry:
“Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.”
Depois daquela lembrança, recolhi o que sobrou de mim e segui.
Não olhei para a casa do lago.
Nem para os fogos de artifício no céu.
Olhei ao meu redor… e sorri.
De fato, seguir é a única forma de liberdade
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